A
Constituição de 1988, também conhecida por Constituição cidadã,
surgiu no contexto de negação às arbitrariedades impostas pelos
anos vividos em Regime Militar. Com isso, muitos direitos civis e
políticos (1ª
dimensão → na ótica dos direitos humanos) foram assinalados na
Carta Magna. Estes direitos são oriundos dos ideais da Revolução
Francesa, no caso, o da Igualdade (de todos perante a lei).
O
objetivo de tal inserção, além do já assinalado, seria o de
assegurar uma sociedade mais justa e igualitária com a prevalência
dos Direitos Humanos e sem que um ente estatal pudesse se sobressair
aos demais e aos cidadãos de uma forma geral.
Neste
contexto, todas as mudanças citadas no texto da Revista de Processo,
não se coadunam com os princípios constitucionais e nem com os
direitos humanos citados.
Como
bem cita o periódico, a EC 45/2004 positivou o princípio da duração
razoável do processo, mas também veio para confirmar a premissa dos
tratados e convenções sobre direitos humanos terem a possibilidade
de configurarem como emendas constitucionais, desde que fossem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por
três quintos dos votos dos respectivos membros (Art.
5º § 3º CF). Poderia-se perguntar,
o
que uma reforma tem a ver com a outra? TUDO.
Como
o Brasil aprovou o Tratado Internacional de Direitos Civis e
Políticos na configuração acima, ele tem o poder de emenda
constitucional, e, portanto, é hierarquicamente superior ao Código
de Processo Civil. Logo, norma alguma do CPC pode contrariar nem a
Constituição e nem os referidos direitos e também não poderia
atribuir a quem quer que seja o direito a prazo privilegiado.
Nada,
portanto, justifica prazo superior ao Estado, já que deve ser posto
em igualdade ao povo e, pior ainda, visto que representa este último
e deveria atender aos interesses da população em detrimento do de
seus representantes.
A
premissa afirmada no texto de que os prazos dilatados vem a atender
apenas aos interesses dos advogados configura, no meu entender, em
apenas meia verdade. Os advogados beneficiados seriam apenas os que
representam entes poderosos ou trabalham em grandes escritórios para
clientes com muito capital à disposição. Para estes os prazos se
afiguram como uma dádiva, uma vez que o maior interesse de muitos de
seus clientes é em prolongar o processo para arrastar o pagamento de
alguma dívida ou forçar a parte hipossuficiente a um acordo e não
verdadeiramente “ganhar” a causa. No entanto, para os
representantes dos pobres, isto não se configura, já que o cliente,
diante da demora e do custo que isso gera, pode ser levado a desistir
do processo sem ter atingido a justiça almejada.
Outra
reforma absurda é a do recesso do Judiciário, anteriormente de 20
de dezembro a 06 de janeiro passando o encerramento para 20 de
janeiro. Com ou sem exercício de funções, a dilação do recesso
só vem a beneficiar o trabalho dos ofícios (cartórios das
respectivas varas) que, em maioria, trabalham de forma morosa (em
especial quando da proximidade do fim do expediente). Além disto,
aumenta-se o descrédito na justiça que, ao contrário do dito
popular, tarda e comumente tem falhado (já que a demora pode levar a
injustiça – uma pessoa que falece e somente os seus herdeiros vem
a resgatar o direito, por exemplo. Neste caso, para o falecido a
justiça falhou).
Para
aqueles que labutam diariamente nos fóruns, é visível como se
perdem prazos por demora na juntada de petições oriundas do
protocolo integrado. Enquanto uma petição protocolizada diretamente
no ofício leva um a dois dias para ser juntada, a do integrado pode
levar meses (no plural mesmo).
O
protocolo digital talvez amenize este problema, mas a burocracia é
sempre um entrave a ser combatido em nosso país.
A
título de comparação com o direito e normas empresariais e visando
demonstrar o alto custo e a lentidão destes e, por extensão, do
processo de um modo geral, cabe a seguinte informação: para abrir
uma empresa no Brasil pode se levar até 119 dias com um custo médio
de R$ 2.038 e variação de 274% entre os estados (em Sergipe, por
exemplo, o valor chega até R$ 3.597 para o mesmo fim). Este custo é
três vezes superior ao que é gasto nos outros países do grupo do
Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) o que só
corrobora a tese de que aqui este procedimento é despadronizado
(para alguns “terra de ninguém”) e que sem “grana” nada sai
do papel.
A
fim de corroborar meu entendimento trago extrato do artigo datado de
JUN de 2002 do dr. Nagib Slaibi Filho, desembargador do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro, professor da Universidade Salgado de
Oliveira (UNIVERSO), livre-docente em Direito do Estado pela
Universidade Gama Filho, membro honorário do Instituto de
Advogados Brasileiros e especialista em Metodologia do Ensino
Superior:
…
A
Constituição quer que o processo de decisão estatal atenda, em
qualquer Poder ou nível da Administração, aos princípios
tendentes a inibir o hermetismo do Estado a que estamos acostumado:
iniciativa legislativa popular (arts. 14 II, 29 XI, 61 § 2º);
publicidade (arts. 5º, incisos XXXIII e XXXIV, 37, 93 IX);
fundamentação razoável (arts. 37 caput - "moralidade";
93 IX; 85 V e 37 § 4º; 5º, inciso LIV "devido processo
legal"); legalidade (art. 5º, inciso II e 37) mesmo porque
"constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil ... construir uma sociedade livre, justa e solidária ...
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais ... promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação" (art. 3º).
O processo é a relação social, juridicamente prevista, em que a atuação do Estado objetiva a decisão e a execução desta decisão - todo processo, neste sentido, indica o caminhar, o desenvolver, o conjunto de atividades em busca de uma decisão: processo legislativo, judicial, administrativo etc.
Além disso, as mudanças trazidas pela Lei nº 11.232, de 2005, que inseriu os art. 475-A ao 475-R, conferem uma maior celeridade ao processo, uma vez que, por exemplo, ao invés de termos um processo de conhecimento e outro de execução, passa-se a ter um único procedimento que, prolatada a sentença, ingressa na fase de execução. Neste contexto, seria um retrocesso dilatar os prazos. Em outras palavras, ganha-se de um lado e perde-se do outro.
Por fim, com base na valiosa
explanação e no descrito até agora, cabe a pergunta: Por que e
para que o Estado goza da maioria dos prazos privilegiados?
No
meu entender, não há justificativa e nem motivo para tal, pois
somos nós do povo que sofremos as agruras do dia a dia e o descaso
dos governantes e, no entanto, somos nós também que devemos ser
céleres quando o Estado pode se dar ao luxo a procrastinar.
Bibliografia:
Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988
Código
de Processo Civil
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