O julgamento de Deus (The God Trial)

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Mudanças no CPC

A Constituição de 1988, também conhecida por Constituição cidadã, surgiu no contexto de negação às arbitrariedades impostas pelos anos vividos em Regime Militar. Com isso, muitos direitos civis e políticos (1ª dimensão → na ótica dos direitos humanos) foram assinalados na Carta Magna. Estes direitos são oriundos dos ideais da Revolução Francesa, no caso, o da Igualdade (de todos perante a lei).

O objetivo de tal inserção, além do já assinalado, seria o de assegurar uma sociedade mais justa e igualitária com a prevalência dos Direitos Humanos e sem que um ente estatal pudesse se sobressair aos demais e aos cidadãos de uma forma geral.

Neste contexto, todas as mudanças citadas no texto da Revista de Processo, não se coadunam com os princípios constitucionais e nem com os direitos humanos citados.

Como bem cita o periódico, a EC 45/2004 positivou o princípio da duração razoável do processo, mas também veio para confirmar a premissa dos tratados e convenções sobre direitos humanos terem a possibilidade de configurarem como emendas constitucionais, desde que fossem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros (Art. 5º § 3º CF). Poderia-se perguntar, o que uma reforma tem a ver com a outra? TUDO.

Como o Brasil aprovou o Tratado Internacional de Direitos Civis e Políticos na configuração acima, ele tem o poder de emenda constitucional, e, portanto, é hierarquicamente superior ao Código de Processo Civil. Logo, norma alguma do CPC pode contrariar nem a Constituição e nem os referidos direitos e também não poderia atribuir a quem quer que seja o direito a prazo privilegiado.

Nada, portanto, justifica prazo superior ao Estado, já que deve ser posto em igualdade ao povo e, pior ainda, visto que representa este último e deveria atender aos interesses da população em detrimento do de seus representantes.

A premissa afirmada no texto de que os prazos dilatados vem a atender apenas aos interesses dos advogados configura, no meu entender, em apenas meia verdade. Os advogados beneficiados seriam apenas os que representam entes poderosos ou trabalham em grandes escritórios para clientes com muito capital à disposição. Para estes os prazos se afiguram como uma dádiva, uma vez que o maior interesse de muitos de seus clientes é em prolongar o processo para arrastar o pagamento de alguma dívida ou forçar a parte hipossuficiente a um acordo e não verdadeiramente “ganhar” a causa. No entanto, para os representantes dos pobres, isto não se configura, já que o cliente, diante da demora e do custo que isso gera, pode ser levado a desistir do processo sem ter atingido a justiça almejada.

Outra reforma absurda é a do recesso do Judiciário, anteriormente de 20 de dezembro a 06 de janeiro passando o encerramento para 20 de janeiro. Com ou sem exercício de funções, a dilação do recesso só vem a beneficiar o trabalho dos ofícios (cartórios das respectivas varas) que, em maioria, trabalham de forma morosa (em especial quando da proximidade do fim do expediente). Além disto, aumenta-se o descrédito na justiça que, ao contrário do dito popular, tarda e comumente tem falhado (já que a demora pode levar a injustiça – uma pessoa que falece e somente os seus herdeiros vem a resgatar o direito, por exemplo. Neste caso, para o falecido a justiça falhou).

Para aqueles que labutam diariamente nos fóruns, é visível como se perdem prazos por demora na juntada de petições oriundas do protocolo integrado. Enquanto uma petição protocolizada diretamente no ofício leva um a dois dias para ser juntada, a do integrado pode levar meses (no plural mesmo).

O protocolo digital talvez amenize este problema, mas a burocracia é sempre um entrave a ser combatido em nosso país.

A título de comparação com o direito e normas empresariais e visando demonstrar o alto custo e a lentidão destes e, por extensão, do processo de um modo geral, cabe a seguinte informação: para abrir uma empresa no Brasil pode se levar até 119 dias com um custo médio de R$ 2.038 e variação de 274% entre os estados (em Sergipe, por exemplo, o valor chega até R$ 3.597 para o mesmo fim). Este custo é três vezes superior ao que é gasto nos outros países do grupo do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) o que só corrobora a tese de que aqui este procedimento é despadronizado (para alguns “terra de ninguém”) e que sem “grana” nada sai do papel.

A fim de corroborar meu entendimento trago extrato do artigo datado de JUN de 2002 do dr. Nagib Slaibi Filho, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, professor da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), livre-docente em Direito do Estado pela Universidade Gama Filho, membro honorário do Instituto de Advogados Brasileiros e especialista em Metodologia do Ensino Superior:

A Constituição quer que o processo de decisão estatal atenda, em qualquer Poder ou nível da Administração, aos princípios tendentes a inibir o hermetismo do Estado a que estamos acostumado: iniciativa legislativa popular (arts. 14 II, 29 XI, 61 § 2º); publicidade (arts. 5º, incisos XXXIII e XXXIV, 37, 93 IX); fundamentação razoável (arts. 37 caput - "moralidade"; 93 IX; 85 V e 37 § 4º; 5º, inciso LIV "devido processo legal"); legalidade (art. 5º, inciso II e 37) mesmo porque "constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil ... construir uma sociedade livre, justa e solidária ... erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais ... promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" (art. 3º).

O processo é a relação social, juridicamente prevista, em que a atuação do Estado objetiva a decisão e a execução desta decisão - todo processo, neste sentido, indica o caminhar, o desenvolver, o conjunto de atividades em busca de uma decisão: processo legislativo, judicial, administrativo etc.

Além disso, as mudanças trazidas pela
Lei nº 11.232, de 2005, que inseriu os art. 475-A ao 475-R, conferem uma maior celeridade ao processo, uma vez que, por exemplo, ao invés de termos um processo de conhecimento e outro de execução, passa-se a ter um único procedimento que, prolatada a sentença, ingressa na fase de execução. Neste contexto, seria um retrocesso dilatar os prazos. Em outras palavras, ganha-se de um lado e perde-se do outro.

Por fim, com base na valiosa explanação e no descrito até agora, cabe a pergunta: Por que e para que o Estado goza da maioria dos prazos privilegiados?
No meu entender, não há justificativa e nem motivo para tal, pois somos nós do povo que sofremos as agruras do dia a dia e o descaso dos governantes e, no entanto, somos nós também que devemos ser céleres quando o Estado pode se dar ao luxo a procrastinar.

Bibliografia:
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Código de Processo Civil

Nenhum comentário:

Postar um comentário